Séries Estrangeiras

A série que fez milhares de pessoas se divorciarem!

Há a lenda de que Scenes from a Marriage, minissérie criada por Ingmar Bergman na década de 1970, aumentou o número de divórcios na Suécia.

Na trama, que se passa numa invernal Estocolmo, Marianne leva uma vida adorável com o marido, Johan (não direi “surpreendentemente calorosa” porque o casal quase não faz sexo)… até ser trocada pela amante. A personagem, servil ao esposo e à ideia do matrimônio, implora para não ser deixada. Nos capítulos finais, contudo, está emancipada!

Mulheres ocuparam lugar de destaque na filmografia de Bergman, em frente e atrás das câmeras – não era raro haver mais moças que homens na equipe dele. Em Scenes from a Marriage, embora o casal seja posto como protagonista, o holofote está em Marianne. A intérprete da personagem é Liv Ullmann, com quem Bergman viveu intensa parceria no trabalho e no amor. Marianne era uma releitura da própria atriz: Bergman pediu a ela, anos antes, que escrevesse um diário, e o caderno foi usado por ele para conceber o roteiro.

*INT: Close-up no relógio, que anda, anda…*

2021. Uma nova versão de Scenes from a Marriage, agora em Hollywood e protagonizada por Jessica Chastain e Oscar Isaac, teve o episódio final transmitido no domingo pela HBO. Quem idealizou o remake foi o filho de Bergman, Daniel Bergman, que pensou em fazê-lo centrado nos filhos do casal. Na série original, ele acha, era como se as crianças não existissem (Bergman nunca foi próximo dos filhos). A ideia não vingou – nem Daniel se vingou do pai. Hagai Levi (criador do seriado israelense que deu origem a Sessão de Terapia e In Treatment) chegou ao projeto e considerou que a trama antiga também não envelheceu bem…

Até a década de 1960, Hollywood produziu, massivamente, filmes sobre casamentos. Segundo o livro I Do and I Don’t: A History of Marriage in the Movies, sete elementos apareciam nessas produções, dentre eles, dinheiro, infidelidade, filhos, incompatibilidade e classe social. Todos aplicáveis à narrativa de Bergman. Após o período, quando as mulheres saíram de casa para trabalhar, esse tipo de produção se tornou impopular. Para a autora, são divórcio, feminismo e casamento homoafetivo os aspectos retratados atualmente.

Sabendo disso, Levi foi estratégico: trocou os personagens. O papel de Jessica Chastain, Mira, é uma mulher bem-sucedida que se apaixona por outro homem (correspondente a Johan) – e até beija uma amiga. Já Oscar Isaac é o traído que roga pela manutenção do matrimônio. Essencialmente, é a minissérie velha atualizada. Os episódios inicial e final são diferentes, mas o “recheio” das duas tramas é incrivelmente parecido. Então, o que acaba por conferir frescor ao programa estadunidense é justamente essa inversão dos papéis.

Levi ainda criou metáforas belíssimas em sua releitura, uma vez que Bergman, conhecido por ter sido um diretor altamente experimentativo, realizou uma minissérie mais convencional nesse aspecto. No primeiro episódio da nova atração, o casal decide fazer um aborto (plot inédito). E o marido, contrário à ideia, vai buscar uma Pepsi na máquina de refrigerante. A lata cai da máquina numa clara (e inesperada) alusão ao aborto. Ora, quando algo nos aflige na vida, mesmo os acontecimentos mais aleatórios nos remetem ao objeto de nossa preocupação. Ali, o marido, encarando a Pepsi, foi humanizado de forma arrebatadora!

Já o episódio final, embora tenha começado distinto do original, terminou da mesma forma. O marido sonha que não consegue alcançar a ex-esposa, com quem está ali na cama, e a filha. Ele desperta desesperado. A cena jamais poderia ser mudada porque SINTETIZA a obra bergmaniana: Bergman acreditava que os filmes representavam os sonhos. E, para ele, que casou muitas vezes, apenas a solidão era mais “infernal” que o próprio casamento (quando o marido não alcança a ex-esposa, é a solidão que ele teme). Incessantemente, o roteiro de Bergman culpa os pais (casados) pelos fiascos dos protagonistas, algo bastante pessoal para o diretor e, inclusive, freudiano. Toda vez que o casal tenta fazer sexo, há briga. Levi acha que a minissérie de Bergman pregava que o casamento era algo horrível. No remake dele, ele diz que a separação é que é difícil. Se, com isso, ele fará o número de divórcios diminuir? São “cenas” para próximos capítulos (existe mesmo uma ideia de continuação…).

p.s.: Levi optou por, no início dos episódios, filmar os atores antes do diretor pronunciar “ação”. O que foi interessante. No episódio final, porém, ele variou: filmou os atores depois do “corta”. A cena que antecedeu isso foi a do sonho, profunda, que fazia com que a gente mergulhasse, sem apetrechos de segurança, no universo das duas personagens tão bem interpretadas. Filmá-las como Jessica e Oscar, em seguida, foi um balde de água fria. Como despertar de um sonho, abruptamente. Em apneia.

Deixe um comentário