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Resenha de A Praia do Fim do Mundo

A Praia do Fim do Mundo começa com a imagem de Jonas prestes a ser engolido pelo “grande peixe”. Segundo a Bíblia, Deus mandou que Jonas avisasse que a cidade Nínive seria destruída por causa do mau comportamento de seus moradores. Jonas, no entanto, desrespeitou a vontade de Deus e pegou um barco rumo a outra direção. No meio do caminho, uma tempestade surpreendeu os marinheiros, e Jonas foi jogado ao mar para que a tormenta cessasse. Ele, então, passou três dias e três noite na barriga de uma baleia.

Já no filme de Petrus Cariry, as casas à beira de uma praia do Ceará estão prestes a serem “engolidas” pelo mar, com a maré subindo rapidamente. O filme faz um alerta como um farol: as mudanças climáticas são iminentes e catastróficas, dignas do fim do mundo.

Aqui, as casas são as próprias embarcações em meio à tormenta. O medo da tempestade se dá, quem diria, em terra firme. Esse medo do mar é uma comum dos filmes antigos, uma vez que, no período das grandes navegações, temia-se que os mares possuíssem monstros, figuras mitológicas, que findavam a vida dos marinheiros – e não a falta de tecnologias. Esse temor, inclusive mitológico, está presente no filme O farol, do Robert Eggers, um dos maiores hypes do cinema meio cult dos últimos anos. Quem gostou da obra de Eggers, certamente, aprovará A Praia do Fim do Mundo.

O filme de Cariry, num primeiro momento, tem como objeto de horror o próprio oceano, sem necessidade de qualquer figura monstruosa. O fato do filme ser todo em preto e branco reforça essa ideia de antiguidade (e não poderia ser de outra forma dada a temática cinzenta da história apocalíptica). Outros elementos remetem ao cinema feito no início do século 20, como o som estourado, em que a falta de cor parece aguçar nossos sentidos da audição. O som do mar se confunde com o som do trovão.

O jogo de luzes no rosto dos personagens filmados em primeiro plano (do peito para cima) torna a ligação com a estética de O Farol, de Eggers, inevitável. A sensação é mesmo de estar vendo um filme antigo, só nos damos conta do contrário nos momentos em que a protagonista tira o celular do bolso, num ato quase surpreendente.

Na trama, uma jovem vive com a mãe em uma casa que está cedendo à maré. Ela tenta, de todas as formas, alertar a mãe sobre o perigo. O pai sumiu quando ela era criança, numa missão ao mar. Até certo ponto, a gente se pergunta quem é Jonas na história; pai ou filha? Depois, com a revelação de que a moça está grávida, existe a metáfora de Jonas na barriga da baleia. Por fim, um velho macabro (seria o pai devolvido do oceano?) é a figura mitológica que faltava. Em tom de ameaça, o filme avisa: “viemos do mar”. E uma vida termina, como nos primórdios. Fim dos tempos.

A Praia do Fim do Mundo foi filmado durante a pandemia, depois do lançamento de O Farol. Mas muitos desses elementos comuns aos dois filmes já apareciam em outros trabalhos de Petrus Cariry, que é um cineasta altamente experimentativo. De fazer poesia com as imagens. O penúltimo filme dele, O Barco (o mar é uma temática recorrente na filmografia dele), apesar de não ser em preto e branco, possui som estourado e iluminação bem marcada. Então, obviamente, os méritos são do Cariry, independentemente de qualquer coisa, que é um dos melhores diretores jovens brasileiros.

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